terça-feira, 26 de setembro de 2023

Programa Terra De Minas (GLOBO MINAS).



Fui convidada para participar de um Programa que sempre assisti e adoro: o Terra de Minas, da TV Globo Minas. Queriam um relato sobre as histórias da lagoa central de Lagoa Santa/MG, pois a edição trataria das lagoas da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Vivo em Lagoa Santa há mais de vinte anos e caminho semanalmente nessa lagoa. Sou historiadora e estou desenvolvendo um projeto exatamente sobre os Lugares de Memória de Lagoa Santa, dos quais a lagoa central é um dos mais significativos.  Trata-se do MUSEU TERRITÓRIO CAMINHOS DE LUND. 

Quem me entrevistou e conduziu o programa foi a Patrícia Fiuza, jornalista competente e acolhedora. Portanto, tudo se encaixou e fluiu... Apesar das inevitáveis edições e cortes necessários para adaptação ao tempo do programa, acredito que ficou o essencial.

Convido-os para assistir o Programa que foi ao ar no dia 23 de setembro de 2023 e, assim, conhecerem um pouco dessas histórias.


https://globoplay.globo.com/v/11971933/?s=0s 

Hélio Oiticica: Legados de uma antiarte por excelência

Um artista capaz de conceituar uma de suas obras mais significativas como “antiarte por excelência” nos revela muito de sua personalidade e intenção artística. Hélio Oiticica assim o fez com sua obra Parangolé criada a partir de 1964. Sempre polêmico, anarquista e vanguardista por natureza, Oiticica fez um movimento de desintelectualização e dessacralização da arte; de desconstrução e reinvenção de conceitos. Não foi um artista “além de seu tempo” e sim um artista que interagiu, interpretou, revelou, influenciou ativamente a sua época e a nossa.

Oiticica foi um dos mais importantes representantes do Neoconcretismo Brasileiro, movimento de vanguarda que se opunha ao cientificismo e ao materialismo concretista que o precedeu. Os signatários do Manifesto Neoconcretista de 1959 defendiam que a arte precisa de emoção, expressividade, subjetividade e experimentação. Oiticica praticou esses fundamentos de forma radical em seus trabalhos.

A maior parte de sua produção artística foi desenvolvida ao longo da Ditadura Militar. Oiticica nasceu em 1937 no Rio de Janeiro e nos deixou precocemente em 1980, vítima de um AVC. Suas primeiras obras datam de meados da década de 50 com trabalhos que já propunham uma nova linguagem geométrica, não figurativa e em novos suportes. Rapidamente abandonou a tela e a parede para ocupar espaços tridimensionais e externos. Relevos espaciais, cabines coloridas, Bólides, Labirintos foram alguns de seus importantes trabalhos. Todos partindo da experimentação e da busca de uma atitude participativa e não apenas contemplativa do espectador.

Aliás, essa reinvenção da condição do espectador foi uma das maiores contribuições de Hélio Oiticica à Arte Contemporânea. E não foi por acaso que essa intencionalidade artística foi radicalizada durante a Ditadura Militar. O artista passou a frequentar o morro da Mangueira, aproximando-se da população da favela carioca e de sua cultura, sobretudo do samba. Vivenciou a cultura popular e dessacralizou a Arte elitista dos museus. Deu voz à população marginalizada em um momento em que a censura dava o tom. Essa experiência foi marcante na vida e obra de Oiticica, inspirando a criação do Parangolé.

Foto de Parangolé de Hélio Oiticica. Disponível em https://www.culturagenial.com/helio-oiticica-obras-compreender-trajetoria/ Acesso em 14 de abr. de 2023.

Os Parangolés são vestes ou capas feitas de variados materiais e cores que se revelam apenas quando são vestidos e movimentados pelo espectador, preferencialmente através da dança. Na primeira exibição do Parangolé, Oiticica já mostrou a que veio. Em agosto de 1965, apresentou ao público sua obra na abertura da exposição “Opinião 65” no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, com a participação da comunidade da Mangueira. Podemos imaginar o impacto provocado pela entrada das passistas mangueirenses no elitista museu carioca, vestindo os Parangolés, batucando e dançando. Oiticica era um intelectual e um exímio dançarino. Leitor voraz de Nietsche, como esse filósofo, defendia que só poderia crer em um Deus que soubesse dançar.

As autoridades do museu os obrigaram a se retirar do salão, mas Oiticica e seus convidados/co-artistas apresentaram a obra na área externa dos jardins. De uma forma ainda mais estrondosa, o Parangolé entrou para a História como um ato de democratização e dessacralização da arte, de aproximação da Arte Erudita com a Arte Popular e de visibilidade da participação ativa da população mais pobre em um momento de silenciamento forçado da sociedade pela Ditadura Militar.

O Parangolé foi uma obra emblemática desse período político brasileiro, pois, em um momento de repressão, demandava a participação e a livre expressão como condição para que a própria obra pudesse existir e ser vista. Além dessa mensagem implícita, muitos Parangolés apresentavam mensagens abertas com frases como “Capa da Liberdade”, “Da adversidade vivemos” ou “Incorporo a revolta” escritas no próprio tecido.


Nildo da Mangueira vestindo P 15 Parangolé capa 11 – Incorporo a revolta (1967), de Hélio Oiticica. Foto Claudio Oiticica, 1968 Disponível em https://mam.rio/obras-de-arte/parangoles-1964-1979 . Acesso em 14 de abr de 2023.

Oiticica desafiou a disciplinarização forçada, autoritarismo e repressão da Ditadura Militar, os valores intelectualizados elitistas dos museus e do mercado das Artes e, em especial, os fundamentos artísticos hegemônicos da época. Gerou uma nova concepção da obra de arte na qual ela não deveria ser apenas vista, mas acima de tudo sentida e experimentada. O espectador não é mais um contemplador, mas um co-autor da obra, pois essa só existe com a sua participação ativa. Os suportes possíveis da obra de arte também são ampliados, chegando ao próprio corpo humano. Na verdade, no Parangolé o corpo é, além de suporte, parte da própria obra.

Hélio Oiticica leva à risca o pensamento do escultor mineiro Amílcar de Castro que afirmava que a Arte pode ser mil coisas. Demonstrou isso na sua prática artística. O Parangolé dialoga com a música, com a dança e até com a arquitetura da favela. A obra é apresentada associada aos movimentos e ritmos do samba, dialogando de forma direta com essas expressões artísticas. O próprio nome da obra remete a outra linguagem, a arquitetura. Parangolé foi uma palavra que inspirou o artista quando a viu identificando uma barraca improvisada de um mendigo. A obra Parangolé, assim como a arquitetura das favelas, é feita de materiais diversos e reaproveitados, é resultado de improviso e adaptações.

Um artista da genialidade de Hélio Oiticica reverbera além do seu grupo, do seu tempo e do seu país. Na mesma época em que os Parangolés de Oiticica eram produzidos, no submundo dos hospitais psiquiátricos Arthur Bispo do Rosário criava o seu Manto. Um cobertor velho que se transmutou em um traje majestoso e em uma respeitada obra de arte após ser inteiramente bordado pelos símbolos, números e frases de Bispo. A intencionalidade dos artistas era bem diversa, pois Bispo do Rosário o construiu a partir de um elemento sagrado, para vesti-lo durante a sua passagem no dia do Juízo Final. Mas os dois artistas tinham elementos em comum: o vestir a obra de arte tendo o corpo como suporte, a profusão de materialidades tidas até então como não dignas da arte, o objeto sensorial e em diálogo com outras linguagens artísticas.

Vemos interações do Parangolé até mesmo com as novas tendências da moda internacional contemporânea. Em 2017, a coleção da Louis Vuitton foi reconhecidamente inspirada na obra do brasileiro Hélio Oiticica. Artistas renomados vestem parangolés modernos e campanhas publicitárias utilizam a sua linguagem visual. As obras de Oiticica permanecem sendo criadas e recriadas e mexendo com nossas emoções.

A explicação para isso é que vemos em Hélio Oiticica a convergência de várias linguagens artísticas, culminando em obras que dialogam com os fundamentos estéticos da Arte Contemporânea Mundial. No entanto, tais fundamentos são transmutados para a realidade brasileira, para o que nos identifica como povo e para nossas origens mais profundas. Traz o caráter congenial dos artistas brasileiros, mostrando ao mundo e ao Brasil, a nossa verdadeira face.


ARTIGO DE ANA PAULA MARCHESOTTI ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA MEER.COM DE 29 DE JULHO DE 2023

https://www.meer.com/pt/74125-helio-oiticica


terça-feira, 12 de setembro de 2023

Assassinato de professores e alunos: A violência dentro das escolas precisa nos levar para além da indignação.

 

Imagem: Flores diante da Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, no Brasil, alvo de tiroteio em 2019. Disponível em : https://pt.wikipedia.org/wiki/Tiroteio_em_escolas

A Violência dentro das escolas precisa nos levar para além da indignação. Toda notícia de um assassinato cruel provoca imediatamente grande repercussão e indignação social. Isso demonstra que preservamos valores fundamentais que nos tornam Humanos. Quando o assassinato acontece em uma instituição escolar e tem como vítimas uma professora ou crianças, a indignação vem acompanhada por um sentimento de vulnerabilidade permanente e de desvalorização ainda maior da Educação. A partir daí presenciamos a propagação de discursos radicais incapazes de mudar a realidade. Precisamos ir além da Indignação, mas qual é o caminho?

No dia 27 de março de 2023, um estudante de 13 anos esfaqueou pelas costas a professora Elizabeth Tenreiro, de 71 anos, na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo. Foi mais um caso de violência sofrida por professores que ocorre diariamente nas escolas brasileiras, nas mais diversas formas e intensidades. Violências verbais, desrespeito por parte de alunos, pais e autoridades, desvalorização do seu trabalho, condições precárias, insegurança, ameaças... Muitas dessas violências foram tão normalizadas pela sociedade que nem causam mais a indignação popular.

Quando uma sociedade não valoriza a educação e os educadores; quando pais não educam seus filhos para respeitarem seus mestres; quando governantes não dão condições de trabalho e não remuneram dignamente os profissionais de Educação; quando os meios de comunicação disseminam valores individualistas, consumistas e relativizam a importância do conhecimento e do estudo; quando figuras públicas como a funkeira Pipokinha humilham professores em suas postagens para seus numerosos seguidores; todos estão gerando assassinatos como o da Elisabeth e outras tantas violências no interior das escolas brasileiras.

Menos de dez dias após o assassinato na escola paulistana, ficamos estarrecidos diante da notícia de um atentado a uma creche na cidade de Blumenau, no sul do país. Um jovem de 25 anos pulou o muro e atacou crianças a machadadas, deixando quatro mortas. Como digerir uma notícia dessas? Como não nos indignar com tamanha violência em um ambiente que deveria ser de acolhimento, segurança e propulsor de valores e conhecimento?

As estatísticas mostram um aumento considerável de atentados em instituições de ensino e isso não fazia parte da realidade brasileira. A violência e a apatia geral diante dela têm origens que precisam ser compreendidas e enfrentadas em sua raiz. A violência física é sempre mais chocante que a violência verbal, mas ambas são inadmissíveis. A aceitação passiva da segunda leva à primeira. No entanto, quando ocorre um assassinato como o da professora Elizabeth, dentro da sala-de-aula, presenciamos a mesma sociedade que permite e incentiva todo tipo de desrespeito e violência diária aos professores exigindo punição exemplar aos adolescentes que cometem crimes contra seus educadores. Não há uma reflexão coletiva sobre as origens do fato e sim um foco na mera punição. Não há dúvida que a impunidade incentiva o crime e deve ser combatida, mas simplesmente aumentar penas não muda a realidade. 

O que temos visto é que a indignação com o assassinato em São Paulo desencadeou novas discussões sobre a Maioridade Penal e sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Discursos calorosos são proferidos exigindo a diminuição da Maioridade Penal para que crianças e adolescentes menores de 18 anos possam cumprir penas no sistema prisional, assim como adultos. Ouvimos diariamente críticas ao ECA e a defesa de que seja alterado para que haja aumento e mudanças nas modalidades de penas às crianças e adolescentes que cometem crimes.

Ao mesmo tempo, o atentado à Creche de Blumenau tem provocado uma crescente demanda por segurança nas escolas através de propostas de intervenção como câmeras, grades, detentor de metais, rondas e policiais nas instituições. Toda reflexão, discussão e debate são bem vindos numa Democracia e defenderei sempre o direito de todos se expressarem. Mas esse debate precisa ser ampliado, verticalizado e apurado. É mais fácil culpabilizar indivíduos do que a sociedade; castigar quem executa o crime do que quem o incentiva; punir a violência do que evitá-la.

Quando governantes irresponsáveis como o Jair Bolsonaro fazem discursos de ódio, normalizam e estimulam a violência, defendem o armamento da população; quando internautas difundem atos, valores e discursos agressivos; todos estão incentivando milhares de pessoas a fazerem o mesmo e alguns a chegarem às últimas consequências, assim como o jovem que assassinou as crianças em Blumenau. É bom lembrar que ele tem 25 anos e a maioridade penal não o impediu de cometer o crime bárbaro.

Quando eu dava aulas, ouvia constantemente de estudantes - do Ensino Fundamental ao Superior - frases depreciativas quanto aos professores e à escola. Via uma banalização da violência e da vida que desembocava em atos de agressão física e verbal. Eles simplesmente repetiam pensamentos e ações que lhes foram introjetados pela sua família, por personalidades políticas e sociais e pelas mídias. Esses valores estão disseminados na sociedade e são reforçados e retroalimentados diariamente. Não há como blindar as escolas desses pensamentos, precisamos desconstruí-los.

Quando fui Gestora e Assessora de uma Secretaria de Educação, constatei que políticas públicas que propõe mudanças setorizadas e superficiais não promovem as mudanças necessárias na Educação. Projetos apresentados como inovadores são elaborados com a expectativa de provocar transformações na Educação, mas análises demonstram pouco impacto. O que se vê são políticas inócuas sendo implementadas constantemente pelas Secretarias de Educação dos três âmbitos da Federação sem a necessária intervenção na base e na estrutura do sistema.

Precisamos fazer uma grande mudança social, de valores e de Políticas Públicas. É urgente uma mudança estrutural na Educação que promova a valorização dos educadores, incorpore novos profissionais de apoio como psicólogos e assistentes sociais, implemente ações que deem segurança a todos no ambiente escolar. É fundamental que a sociedade se enxergue, reflita sobre suas responsabilidades, mude seus valores e exija do Poder Público mudanças para além dos discursos políticos e para além do simples aumento da punição ou transformação das escolas em locais blindados por sistemas de segurança.

Que continuemos nos indignando diante de fatos, discursos e acontecimentos que ferem nossos valores humanos. Porém, que sejamos críticos (e autocríticos) o suficiente para enxergarmos todas as responsabilidades e as reais origens que os causaram. Assim não continuaremos apenas propondo mudanças na superficialidade e nas consequências dos problemas e seremos capazes de transformar o que realmente é necessário para evitar tristes fatos como o assassinato de Elizabeth Tenreiro e de crianças indefesas.

ARTIGO DE ANA PAULA ALMEIDA MARCHESOTTI ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA MEER.COM,   EM 29 DE JULHO DE 2023.

https://www.meer.com/pt/73978-assassinato-de-professores-e-alunos

Annette Laming-Emperaire e Luzia em Minas Gerais: O encontro das mulheres que nos revelou nossas remotas origens

Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2018/09/04/luzia-5-curiosidades-sobre-o-fossil-perdido-no-incendio-do-museu-nacional/. Acesso ...